Há alguns anos uma família colombiana da cidade de Yarumal se transformou em uma espécie de "laboratório natural" para ajudar cientistas a compreender melhor como a doença de Alzheimer se desenvolve.
Yarumal é a cidade com o maior número de pessoas que têm Alzheimer no mundo. Cerca de 50% dos habitantes da cidade na região central da Colômbia têm chance de desenvolver a doença.
A família que pode ajudar na compreensão da doença é um clã de 5 mil pessoas no qual, segundo previsões dos médicos, a metade dos membros vai desenvolver Alzheimer precocemente, aos 45 anos (alguns podem desenvolver até antes) e o resto, por volta dos 65 anos.
Cientistas do mundo todo decidiram analisar as mutações genéticas que afetavam este grupo de pessoas.
Os integrantes desta família são descendentes de um conquistador espanhol que, segundo pesquisas, introduziu a variante genética que causa a doença no início do século 17.
O neurologista Francisco Lopera, que descobriu esta descendência, disse à BBC Mundo em 2011 que esperava que as provas sobre estas mutações genéticas permitissem "encontrar uma cura potencial para os que sofrem de Alzheimer no mundo todo".
As previsões otimistas agora estão se transformando em realidade: os cientistas dizem que encontraram uma rede de genes e suas mutações posteriores que aceleram ou atrasam a aparição da doença.
De 30 a 70 anos
O principal pesquisador do caso, Mauricio Arcos-Burgos, professor associado da Universidade Nacional Australiana (ANU, na sigla em inglês), disse que alguns dos membros da família desenvolveram a doença em idades muito diferentes, que variavam entre os 30 até os 70 anos.
"Esta comunidade ajudou muito aos cientistas. Foram muito pacientes e seguiram todas as recomendações dos neurocientistas, especialmente do doutor Francisco Lopera", disse Arcos-Burgos no programa Newsday, do Serviço Mundial da BBC.
De acordo com o cientista, Lopera está analisando este caso há mais de 30 anos e conhece cada um dos pacientes, assim como o histórico familiar.
A descoberta deste gene é muito importante para as pesquisas sobre a doença de Alzheimer. De acordo com os cientistas, o gene chamado E280A atrasa o início da doença em média em 17 anos.
Ele é uma variante do gene APOE que consegue deter o avanço do Alzheimer.
O gene da apolipoproteína E (APOE) é conhecido por nos proteger contra o desenvolvimento de placas que aderem ao cérebro. Os cientistas acreditam que a mutação deste gene melhora esta ação.
O objetivo dos pesquisadores é conseguir desenvolver um medicamento que imite os efeitos deste gene para frear a expansão da doença.
"Se encontrarmos a forma de desacelerar a doença poderemos conseguir um grande impacto", disse Arcos-Burgos, que também é médico geneticista da Escola de Pesquisa Médica John Curtin (JCSMR) da Austrália.
"O Alzheimer é muito heterogêneo, quando você começa a investigar encontra muitas variantes", disse o cientista à BBC.
"Mas este caso é único pois se trata de uma mutação específica em um ambiente específico, com um estilo de vida e cultura determinados. E nos chamou a atenção o fato de que eles desenvolvem a doença em idades tão variadas."
Atrasando a doença
O estudo, publicado na revista científica Molecular Psychiatry, reuniu vários cientistas das Alemanha, Austrália, Colômbia e Estados Unidos.
"Acho que teremos mais sucesso se orientarmos as pesquisas para atrasar a aparição da doença do que em preveni-la por completo", afirmou Arcos-Burgos.
"Se conseguirmos atrasá-la um ano, isto vai significar milhões de pessoas a menos sofrendo de Alzheimer em 2050."
No total os cientistas identificaram nove mutações genéticas vinculadas ao Alzheimer. Algumas delas atrasam a aparição da doença e outras aceleram seu avanço.
"Estas mutações genéticas desafiam completamente a história natural sobre o Alzheimer e os efeitos nas pesquisas são enormes", disse Arcos-Burgos.
Cerca de 99% dos testes de medicamentos para tratar da doença fracassaram.
Por isso que, em vez de tentar encontrar uma cura, a equipe de cientistas espera poder conseguir evitar sua aparição antes que seja tarde demais.
Estas descobertas também vão permitir que os cientistas compreendam melhor cada caso individualmente.
O Alzheimer é um tipo de demência que afeta a capacidade de aprender, lembrar e raciocinar. A doença mata cerca de 60 mil pessoas por ano, segundo a organização de caridade britânica Alzheimer Society.
Especialistas calculam que deverá haver mais de 46,8 milhões de pessoas com demência em 2015 no mundo todo, e este número deve dobrar, chegando aos 74,7 milhões em 2030.
Até o momento não há nenhum tratamento que consiga frear o avanço do Alzheimer.
Mas Arcos-Burgos está otimista.
"Esta é a primeira vez que vinculamos um gene do APOE ao atraso da aparição do Alzheimer. Esperamos encontrar a forma de poder reproduzi-lo", afirmou.
BBC Brasil
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